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Velório

Entrou no velório ainda tonto, com os olhos cheios de água, o mesmo terno preto cheirando a flores e o lenço sempre a mão, tapando a boca que cheirava a pinga. Todas as vezes que João bebia, acabava velando alguém, chorando a morte dos outros, chorando a partida alheia como se fosse a sua.
      - Você é parente?
-          Não, eu só vim dizer... Até logo.
-          Você sempre fala com os mortos?
-          Quem é você?
-          Eurico Breve, seu criado.
-          Desculpe, eu não faço criado.
-          O senhor não entendeu, eu só quero lhe prestar pêsames, vejo que estás muito triste. Já sei, era o amor de sua vida.
-          A vida?
-          Entendo, o senhor quer ficar sozinho. De todo modo, lamento, eu era muito amigo de senhora sua mãe. Tenha fé, irmão eu já vou.
-          De que família o senhor está falando?
João que não amava ninguém olhou para o rosto pálido, as duras rugas que lhe vestiam e todas aquelas flores cheirando a capim, sorriu e saiu. Pensava no senhor Breve que tagarelava muito e no rosto sem nome, envolto das flores que de certo em breve murchariam para lhe fazer companhia, talvez se tornassem esterco e este talvez seja o céu, ou poluiria a terra com seu ventre cheio de rebentos sentimentos contrários.

- Preciso pensar menos, vou para casa assistir o futebol, ou beber outra cachaça que a de ontem já se vai exalando no vento.

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