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Carta para Carolina

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Velório

Entrou no velório ainda tonto, com os olhos cheios d'água, o mesmo terno preto cheirando a flores e o lenço sempre a mão, tapando a boca que cheirava a pinga. Todas as vezes que João bebia, acabava velando alguém, chorando a morte dos outros, chorando a partida alheia como se fosse a sua.  - Você é parente?  - Não, eu só vim dizer... Até logo.  - Você sempre fala com os mortos?  - Quem é você?  - Eurico Breve, seu criado.  - Desculpe, eu não faço criado.  - O senhor não entendeu, só quero lhe prestar pêsames, vejo que estás muito triste. Já sei, era o amor de sua vida.  - Que vida?  - Entendo, o senhor quer ficar sozinho. De todo modo, lamento sua perda, tenha fé que Deus conforte o coração de toda sua família.  - De que família o senhor fala? João que não amava ninguém olhou para o rosto pálido e duro deitado à sua frente e todas aquelas flores cheirando a capim, sorriu e saiu. Pensava no senhor Breve que tagarelava muito e no rosto sem nome, envolto de flores que de certo  murcha

Até você vir

 Até você vir  O vento era tudo Que ia, que vinha  Até você vir O tempo passava Eu o sentia, lânguido Agora tudo é brisa O tempo desliza Suaves rompantes Coram-me a face Cartas ridículas Cartas eróticas Seu corpo pálido Minha pele morena Seu corpo nu Minha alma despida Érica Alcântara

Sobre a prova de Deus

Setembro de 2004, sentada na varanda de casa reflito sobre Deus.  Mais ainda, penso nas instituições que garantem representá-Lo. Me calo. O Deus por muitas delas defendido é sempre condicionado, por-Tanto, há sempre um preço a pagar.  E o amor nestes termos perde a pureza original, tem preço com QrCode no final. A dura verdade, a verdade mais difícil de digerir é que no fundo-no-fundo não dá para provar a existência de Deus, porque as provas concretas o reduzem a condições limitadas à nossa própria existência. Reduzir o divino é tirar de Deus sua onipotência, é transformar o Criador na própria criatura. Érica Alcântara

Dia das mães

Tenho sentido sua falta do cheiro melado de seu suor de sua crista de sabichona sempre a apontar, feito sargento: "vem por aqui!" sempre delicada aos outros e dura feito aço aos de dentro fundação tem de ser firme, é de se compreender! restaura até os anjos mas vive encrencada com a tecnologia Ai que saudades d'ocê Dia das Mães chega e a distância parece crescer Minas parece mais o Japão Você não vem, e eu? sempre trabalhando, trabalhando... Érica Alcântara maio/2010

Impulso

Dentro de mim há cavalos correndo pelo cerrado, a terra treme, o vento no rosto, o ar em todo o corpo, ar por entre ossos, ar por entre curvas dos rios que moram em mim. Dentro de mim há mais vida que fora, dentro de mim há mais mistérios que eu posso contar, estou entre aquela que se perde e se acha no mesmo instante, estou entre a luz e a escuridão, entre portas cerradas e janelas escancaradas. O dia em mim é sempre ensolarado, e a chuva não deixa o dia triste, a chuva em mim é alimento. Érica Alcântara abril/2010

Carta de nascimento

… e de repente, como uma melodia, minha médica diz: Ana, faremos uma cesariana...Você não vai aguentar mais essas contrações sem ter dilatação. Senti um alívio, estava há 10 horas já tendo as famosas contrações. Ninguém merece aquilo.   Rapidamente fui colocada em uma cadeira de rodas. Passei pelas tias, irmão, amigos em direção ao Bloco Cirúrgico. Não sei quem chorava mais. Certamente eu. Meu bebê estava a caminho mesmo. Que expectativa!   Prontamente me ligaram eletrodos, puxa veia aqui, mede pressão ali, uma picada gelada na coluna e não sentia mais nada. Minha mãe segurava forte a minha mão, enquanto a parentada se revezava no vidro acompanhando o parto.   Minha médica me visou que sentiria naquele momento uma pressão. Fiquei atenta. Senti a tal pressão, confundi com falta de ar e quando eu já ía reclamar, ouvi o 1º choro do meu bebê.   Uma emoção sem medidas, uma grandeza de sentimento. Meu Paulo é saudável e grande. Toda a equipe comentou. Todos estavam muito emocionados e felize