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O peixe morre pela boca e nós também

Por Érica Alcântara

Agora que a pandemia amenizou estamos mais à mostra, presencialmente à mostra. E que mensagem estamos transmitindo? Que código silenciosa meu corpo passa quando, sem nenhuma palavra, caminho na direção de um estranho.

A porta da escola voltou a formar fila de espera para entrar. Por aqui os uniformes são vermelhos da cor do tomate, beeeem vermelhinho e, observando melhor, a maioria das crianças tem mesmo um formato de tomate do tipo caqui. Bem redondinho.

Quando eu era criança ser gordinho era sinônimo de saúde, é como se a criança gordinha simbolizasse uma casa repleta de fartura. As crianças magras eram obrigadas a tomar tônicos e aqueles elixires “de crescimento”, tudo para abrir o apetite que, para muitos depois de abrir, nunca mais fecharam...

Mas aí, chega um dia em que ser gordinho deixa de ser símbolo da saúde e passa a ser motivo de escárnio, chacota para os estranhos e, muitas vezes, para os parentes mais inconvenientes.

Reportagem R7: https://bityli.com/A5Mluj

Neste momento, enquanto você lê esse texto, em todo mundo há PAIS E MÃES MATANDO OS PRÓPRIOS FILHOS. Uma morte lenta que, graças a nossa tecnologia de processamento, está cada vez mais rápida. Mamadeiras de refrigerante, lanchinhos de bolinhos recheados, salgadinhos e uma infinidade de bolachinhas...

O peixe morre pela boca e nós também.

E ainda tem essa infinidade de palavras que descrevem mal e tortamente nossas emoções, geralmente jogando em outro RG a responsabilidade de nossas próprias escolhas.

“Mas eu sou assim por que minha mãe me ensinou assim”. “Na minha família todo mundo faz isso e ninguém morreu até hoje”.

Honestamente, dentre todos os tipos mordazes de preconceito, o que se refere a opção sexual e de gênero é o que eu mais tenho dificuldade de entender! Por que em sã consciência, a vida pessoal do outro afeta tanto algumas pessoas?

Por que o modo como o outro: ama, deseja e é feliz, atinge tão intimamente algumas pessoas?

Já criei diversas explicações plausíveis, geralmente a que vence, é a que diz: “Só se ressente quem vê o outro realizar desejos que, o sujeito que blasfema não é capaz de realizar, seja por questões culturais ou religiosas”.

É aquela velha história de sentir inveja da felicidade do outro. Então, na tentativa natimorta de afogar esse sentimento ruim, o ódio aparece em forma de palavras. Libertando o ódio por meio de palavras, aos poucos, vemos o mundo cada mais submerso em um veneno da qual muitos se alimentam.

Por isso, vos digo, sem medo de errar: O peixe morre pela boca e nós também.

 

 

 

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