Pular para o conteúdo principal

Lancheira

 por Érica Alcântara

19/07/2021

 

Eu nunca gostei de banana na lancheira. Lembro de chegar a hora da merenda em que abria a lancheira como se fosse uma caixa preta, esperando cuidadosamente que o cheiro não escapasse.

Mas o cheiro sempre escapava. Você não pode conter o ar denunciando para toda a turma o que você tem para comer... argh... E a fruta sempre me parecia amarelecida demais e esmigalhada de tanto se debater entre o suco e outro item qualquer.

Tenho certeza, o que mais me incomodava era o cheiro. A banana parecia estar lá dentro desde a era dos dinossauros, pisoteada por todo tipo de tiranos e rexs. E comer aquilo era como comer o que havia sobrado e ninguém queria, nem eu.

Levei anos para fazer as pazes com a banana!!

Eu sonhava com aqueles pãezinhos de leite, as bisnaguinhas “seven boys”! Aquilo para mim era o paraíso das guloseimas. Minha mãe sempre preparava sanduíches com estas bisnaguinhas quando a família inteira viajava do Espírito Santo para Minas.

Me lembro da mamãe me acordar no meio da viagem para tomar um leite quentinho e comer os mini sanduíches em que os pães sempre me pareciam frescos, assim como os frios e a maionese que eram itens que nunca se separavam, tamanho o cuidado com que eram preparados.

Eu adorava ir para Minas só pra comer aqueles lanchinhos!!! E ser acordada para saber se está bem, para ser cuidada e alimentada, as viagens tinham gosto de afeto e minha mãe enfrentava seu medo de deslocamento, redobrando os cuidados com os filhos. Havia tanto amor...

Acho que é também por isso que as bananas amassadas nunca me apeteceram. Ainda hoje acho uma fruta típica de gente preguiçosa e muitas vezes me incluo entre elas, você não precisa de um prato ou uma faca para descascar. A banana se despe sozinha quando começa a se debater em garrafas de suco.

E por não requerer nenhum tipo de esforço, a banana, desde sempre, não me transmitia afeto nenhum.

Photo by Giorgio Trovato on Unsplash


Eu também sonhava com coxinha e salgadinho, essas coisas que entopem as veias e matam as crianças aos poucos, mas que também eram itens que os pais dos meus colegas mandavam e eu achava um luxo. Durante uma parte de minha infância coxinha era coisa de gente rica!

E eu trocaria meu mundo por um mês lanchando só isso, uma coxinha bem gordinha e de massa grossa. Sim, eu amava o gosto da massa fresca, deixando a gente com os dentes sempre carentes de palitos (ou dedos)!

Me lembro do último dia na Escola Brasileira de Educação e Ensino, eu me sentei no banco do pátio e olhei para a escola pela última vez. Eu já sabia que minha memória era muito fragmentada então eu apenas sentei e olhei, me prometendo secretamente que nunca esqueceria daquele lugar.

Ainda não sei se tinha a consciência de como a vida seria diferente a partir dali. Eu sabia que sentiria falta das coxinhas da cantina e a árvore no quintal da escola, aquela frondosa na ala que pertencia apenas aos pequenos. Ela foi a melhor amiga que tive por muito tempo...

Eu também sabia que seria o fim das viagens e das bisnaguinhas de afeto e, de certo modo, senti saudades antes mesmo de perdê-las.

 

Comentários

  1. Também não gostava de banana, mas não tinha lancheira. Acho que não tinham inventado isso! Minha mãe embrulhava no guardanapo e colocava na minha pasta preta, igual aquelas dos representantes comerciais, só que pequenininha. Ali dentro iam os meus cadernos e os livros escolares, além da merenda, é claro.
    Preferia quando minha mãe me dava dinheiro: poderia comer o mingau oferecido na cantina. Como era gostoso e quentinho!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O que eu penso disso...

Postagens mais visitadas deste blog

A despedida de um irmão

A morte não é um espaço preciso, a se resumir em data e hora específicas, como os documentos resumem em “start and off”. Quando, na sala de cirurgia, o médico diz: “Acabou. Não se pode fazer mais nada”, a vida se remexe inteira em outro plano, reivindicando novos espaços de saber. A primeira lembrança marcante que tenho do Matheus já era um convite a novos saberes. Ele estagiava no jornal e eu, como tutora, era responsável por ajudá-lo a produzir reportagens que atendessem a critérios de imparcialidade, impessoalidade, clareza e outras coisinhas éticas das quais não abríamos mão. Lembro-me do dia em que Matheus foi escalado para fazer uma reportagem sobre um acidente em andamento. Na entrada de Santa Isabel, um motorista encontrava-se preso às ferragens. No local dos fatos, o jornal chegou antes da equipa de socorro, e Matheus recebeu a instrução: converse com o motorista até a ambulância chegar. Ele ficou na cabine, com o corpo abaixado, conversando com o homem ferido, que chorava mui

Até você vir

 Até você vir  O vento era tudo Que ia, que vinha  Até você vir O tempo passava Eu o sentia, lânguido Agora tudo é brisa O tempo desliza Suaves rompantes Coram-me a face Cartas ridículas Cartas eróticas Seu corpo pálido Minha pele morena Seu corpo nu Minha alma despida Érica Alcântara

Sobre a prova de Deus

Setembro de 2004, sentada na varanda de casa reflito sobre Deus.  Mais ainda, penso nas instituições que garantem representá-Lo. Me calo. O Deus por muitas delas defendido é sempre condicionado, por-Tanto, há sempre um preço a pagar.  E o amor nestes termos perde a pureza original, tem preço com QrCode no final. A dura verdade, a verdade mais difícil de digerir é que no fundo-no-fundo não dá para provar a existência de Deus, porque as provas concretas o reduzem a condições limitadas à nossa própria existência. Reduzir o divino é tirar de Deus sua onipotência, é transformar o Criador na própria criatura. Érica Alcântara