Nos encontramos no batizado. Eu de branco, Genésia de branco
sentamos lado a lado.
- Você foi batizada aqui?, perguntei.
- Batizada, crismada, também casei e batizei meus filhos
aqui. Março de 2019, muitas coisas mudaram.
- Para mim parece estranho, batizado comunitário. Na minha
terra era um batizado por vez. E a família se reunia em volta da pia batismal
e, se não me engano, há uma espécie de rito de passagem entre os pais e os
padrinhos, que representam a ligação entre os protetores originais e os que, na
falta dos pais, devem cuidar das crianças.
- A minha vida inteira está ligada a Santa Isabel, fui
registrada como isabelense, mas não nasci aqui por um acidente de percurso.
- Como assim?
- Quando nasci, meu pai estava resolvendo algumas coisas, uma
desapropriação do terreno dele em São José dos Campos, naquela época, não tinha
essa coisa de ir e voltar no mesmo dia com toda facilidade e conforto. Ele ia
ficar uma noite e como minha mãe estava com os pés muito inchados, pela
gravidez já avançada, ele resolveu levá-la.
- Ai meu Deus e você nasceu no meio do caminho?
- Não nasci numa casa em que meus pais estavam hospedados.
Naquela época era tudo assim, parto normal.
- Quantos irmãos você tem?
- Oito.
- Minha mãe sentiu as dores do parto e a coisa foi muito
rápida. Mandaram chamar a parteira, mas ela só chegou depois que já tinha
nascido, a tempo de dar o primeiro banho. Foi meu pai quem fez o parto. Minha mãe
ficou de cócoras para que ele me pegasse e depois saísse a placenta. Amarrarem
o cordão e cortaram com a faca que meu pai tinha.
- Meu Deus. Que emoção.
- Foi mesmo. Havia muita emoção ali. Sabe, eu perdi uma irmã
de 15 anos. E para minha mãe eu já era uma gravidez inesperada. Mamãe tinha 42
anos quando eu nasci. ´
- Naquela já era considerada muito velha para engravidar
não?
- Era. E minha mãe tinha acabado de enterrar uma filha. Eles
disseram que tinha sido anemia. Mas eu suspeito que possa ter sido uma
leucemia. Pelas coisas que contaram de como ela foi embora muito rápido. Mas
não havia tanto recurso naquela época, então ela morreu e eu nasci três meses
depois, bem assim.
- A sua mãe devia estar muito emotiva, imagino como teria sido
para ela.
- Deve ter sido muito difícil. E eu, bem... eu passei a vida
inteira com medo. Eu tinha medo de tudo, é sério. Por isso eu respeito muito
quando uma pessoa me diz que está com medo. É uma coisa difícil de explicar,
sentir medo de tudo, e medo de tudo o tempo todo. Mesmo depois que eu casei,
meu ex-marido não entendia ou não aceitava muito bem, o medo era difícil de se
compreender.
- Possivelmente você sentiu o medo e a perda da sua mãe,
antes mesmo de nascer. Você fez terapia? Como superou o medo?
- Não posso dizer que foi terapia. Amigos budistas e
intelectuais que acabavam acolhendo minhas dúvidas e que me ajudaram a entender
que sim, possivelmente, o meu medo não era meu. Sequer me pertencia, mas era
tão real e já estava comigo há tanto tempo que eu não sabia o que era viver sem
ele. Até que um parente morreu.
- Como assim?
- Ajudei a cuidar de meu cunhado Orlandinho que estava
doente há bastante tempo. Éramos tão amigos que quando ele partiu fomos ao
hospital e me deixaram sozinha para ajustar a papelada, certidão de óbito e
todo o resto. Um enfermeiro veio no corredor e, sabendo que eu era parente
resolveu me conduzir pelo hospital.
- Ai meu Deus, te levaram para reconhecer o corpo?
- Isso, eu fui parar no necrotério. O enfermeiro me deixou
lá sozinha com o corpo dele em cima da mesa. Eu me lembro de colocar a mão e
sentir que ainda estava quente. Mas ele já tinha morrido. Eu chorei como nunca
tinha chorado na minha vida, e do medo foi nascendo uma revolta, eu chorava e
dizia: por que você está fazendo isso comigo? Você sabe que eu não posso, sabe
que eu não posso ver isso. Você sabe que eu tenho medo. E sabe o que é estranho?
- O que?
- Foi ali. Daquele dia em diante, que eu nunca mais senti
tanto medo.
- Então a morte trouxe o medo, e foi ela também quem levou?
- É, eu acho que foi.
Érica Alcântara
24/03/2019
* Minha gratidão à Genésia por me contar a sua história e me permitir compartilhar sua história cheia de afeto
* Minha gratidão à Genésia por me contar a sua história e me permitir compartilhar sua história cheia de afeto
Lindo e emocionante ler minha história relatada por você. Adorei!
ResponderExcluirObrigada pelo carinho e Parabéns pelo trabalho.
Lindo e emocionante ler minha história relatada por você!
ResponderExcluirObrigada pelo carinho e parabéns pelo seu trabalho.