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Adeus a Rosa

Histórias de Elo - À Deus
Hoje, quarta-feira, dia 13 de novembro, por volta das 10h tocou o telefone. Olhei no identificador de chamadas – Junim – meu irmão mais novo.
– Oi amor, como você está?, perguntei.
- Não muito bem. Eu sei que nós não tivemos convivência, mas eu precisava te avisar ... a vó morreu. É estranho eu sei, desculpa te falar assim, desse jeito. Papai? Ele está em Pirambu...
O resto da nossa conversa não me lembro bem. Fui para o banheiro aos prantos, liguei pro meu pai e entre meu colo distante e palavras de afeto, o convidei para vir ficar um tempo comigo. Ele me contou da saudade que sente, e de uma tristeza que antes dela partir já havia tomado seu corpo. Depois, com a voz tremula, disse:
- Não se preocupe, não vou ficar sozinho. Também não vou procurar os cacos de mim, dos amigos de mais de 45 anos que acompanharam a minha vida. Hoje vou procurar o povo simples daqui, o povo da terra que mais se assemelha com a comunidade quilombola em que eu nasci, só para me sentir mais perto de onde eu vim.
Algumas pessoas acreditam que é importante ter filhos, dizem que eles são a certeza de que você continua, que teu sangue permanece vivo mesmo depois de você partir. Desliguei o telefone, lavei o rosto e me voltei para o espelho procurando em mim algo que fosse dela. Foi quando me dei conta de que não poderia encontrar algo, já que não a conheci.
Um velho amigo meu não entendeu minha a tristeza, me olhou com certa indiferença e me disse: “Tá chorando por quê? Você nem a conhecia.”, e desatou a falar de qualquer coisa que não fosse a morte de Rosa.
Fiz-me a mesma pergunta no momento que soube de sua partida. E como num filme, quando se passa o flash back lembrei:
Há cerca de dois anos, quando conheci meu pai, sentei-me na frente dele e o entrevistei para saber de minha própria história, foi quando soube que ainda tinha avó, seu nome: Rosa Dias de Araújo, nascida em 19 de setembro de 1914. Ela deu a luz a meu pai em agosto de 1942 numa comunidade quilombola chamada Bananeiras - BA. E foi graças a Rosa que meu pai conheceu minha mãe, escondido de meu avô ela mandava dinheiro para que meu pai não desistisse dos estudos. Já no meio do curso, pelos caminhos de Ouro Preto, meus pais se conheceram, se apaixonaram, se amaram e se casaram.
De tantos encontros que a vida possa ofertar a alguém, fui privilegiada pelos desencontros, quando o amor acabou restou um abismo tão grande que eu jamais conheci Rosa.
Por que choro então? Porque eu acredito que as pessoas não morrem simplesmente, elas vivem para além dos tempos graças as nossas lembranças. E hoje olho no espelho, percorro minhas memórias e não a encontro, mesmo que parte dela continue viva em mim.
Escrevo estas palavras para ter junto dela ao menos esta lembrança: o meu adeus.
Érica Alcântara
13/11/2012

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