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Abandonado na UPA


Desde dezembro do ano passado, a Unidade de Pronto Atendimento de Santa Isabel é lar de um homem que ninguém da família voltou para buscar 


Faltam 32 dias para Reinaldo Oliveira da Silva completar 40 anos. Na manhã de quinta-feira, 03/05, dia em que completou três meses, oito dias e algumas horas instalado na Unidade de Pronto Atendimento – UPA de Santa Isabel ele confessou: “Eu sei que estou pagando pelo que fiz, ninguém veio me buscar, nem me visitam”, pausou a fala num discurso embargado por lágrimas, uma espécie de choro engasgado pelo abandono, “mas queria uma chance de voltar para minha família e recomeçar uma vida”.
Reinaldo deu entrada na UPA no dia 25/01/2018, conduzido pelo SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Estava sem acompanhante e no mesmo dia recebeu alta para voltar para casa, mas ninguém apareceu para buscá-lo.
Seu histórico conta que sofreu dois AVCs – Acidente Vascular Cerebral. Desde dezembro de 2017 vive entre a internação na Santa Casa e a UPA, trazido pelo SAMU. “Depois do primeiro AVC eu recuperei minha mobilidade, então voltei a beber. O médico disse que eu era alcóolatra, mas nem lembro o nome dele. Se fiz algum tratamento? Fiz não. Nem sabia que isso era doença”, diz.
Depois do segundo AVC, Reinaldo passou a ter limitações motoras e não consegue realizar atividades diárias, necessitando do uso de fraldas geriátricas e ajuda de terceiros para se limpar. Os técnicos em saúde explicam que a permanência duradoura, na sala de observação da UPA, expõe Reinaldo aos riscos de uma infecção. Além disso, ele ocupa um leito que, por princípio, deve estar disponível para pacientes em atendimento emergencial.
A direção da UPA informa que já notificou as secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social para que juntas possam traçar uma ação. Parte da equipe, que em dias de sol leva Reinaldo para um banho de luz, teme os efeitos causados pela falta da fisioterapia. “Ele poderia recuperar parte de seus movimentos, mas aqui não temos este atendimento. Somos uma urgência e emergência, quanto mais tempo sem o tratamento adequado, mais permanente ficam os danos do AVC”, diz uma das enfermeiras.
Reinaldo pede ajuda. Às vezes implora. Diz que nenhum representante das secretarias de Saúde ou da Assistência Social o visitou para, ao menos, demonstrar um interesse em ajudá-lo. Conta que a mãe mora em um asilo e é vítima de Alzheimer. E dos irmãos, um foi preso e a outra não possui condições de recebê-lo. “Não cabe eu andando, muito menos numa cadeira de rodas. Queria mesmo era voltar para o Monte Negro, minha mulher está lá, com os filhos dela, os meus são pequenos e moram com a mãe no Ceará”, conta.
Apesar dos relatos contrários, ele jura que nunca foi violento, mesmo quando bebia. E em dias bons, como na quinta-feira passada, brinca com todos os funcionários que chama pelo nome. Conhece cada trabalhador da UPA, sabe suas rotinas e em dias de muito atendimento, grita e esperneia, com notório ciúme de ser obrigado a dividir a atenção com outros pacientes.
Mas em dias ruins, Reinaldo arranca o urinol e às vezes cospe no chão exigindo que a responsável pela limpeza faça o seu serviço, ou dorme o dia inteiro sem querer falar com ninguém. “Ele pode estar desenvolvendo um quadro depressivo, pois tem a consciência de que foi deixado aqui e já faz muito tempo que ninguém aparece para vê-lo”, conta outra funcionária.
Polícia Civil já foi acionada
O delegado de Santa Isabel, Dr. Carlos Alberto Oliveira, conta que já foi aberto inquérito policial que investiga se houve abandono de material. “Pelo Código Penal, Art. 244, abandonar uma pessoa inapta ou inválida pode incidir em detenção de um a quatro anos e multa. Estamos avaliando se é este o caso”, explica.
Manifestação da Prefeitura
Em nota, a Prefeitura de Santa Isabel diz que as Secretarias de Saúde e Assistência e Promoção Social, além dos demais órgãos envolvidos, estão empenhadas na solução do caso. “Por se tratar de um tema delicado e que pode expor a situação de uma pessoa, tudo está sendo realizado de maneira cautelosa”, finaliza.
por Érica Alcântara
Reportagem publicada na edição 1173 do Jornal Ouvidor
www.jornalouvidor.com.br

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