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Mulher da terra

A estrada de terra, dura, difícil, em ondas. No Cafundó de Santa Isabel encontrei um tesouro. Uma Mulher da terra, com suas galochas pretas, caminha passo firme, empurrando o carrinho de mão.
O cachorro, desprovido de raça e de latas, também é preto. Se esconde embaixo do carrinho, logo que o carro pára.
Benedita Camargo, 68, não sabe aonde está a rua que quero, desconhece a Dona Maria que procuro. Fala sempre sorrindo, mesmo que seja sorriso de vento. É linda. É forte. Mulher.
Digo: "Já lhe disseram como vc é bonita?"
Cora a face respondendo: "Sou nada".
"É tudo, tá linda com este chapéu da cor da terra da estrada. Posso fazer um retrato?"
Deixou, mas não sorriu. Olhou firme para o horizonte, nem se mexeu.
Tímida, olha a fotografia meio desconfiada.
Aceitou o abraço de gratidão, alertando: "Tô suja, empoeirada"
"Quem não está nesse calor de meu Deus?", disse.
Ela me disse para seguir em frente, segui.

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Até você vir

 Até você vir  O vento era tudo Que ia, que vinha  Até você vir O tempo passava Eu o sentia, lânguido Agora tudo é brisa O tempo desliza Suaves rompantes Coram-me a face Cartas ridículas Cartas eróticas Seu corpo pálido Minha pele morena Seu corpo nu Minha alma despida Érica Alcântara

Sobre a prova de Deus

Setembro de 2004, sentada na varanda de casa reflito sobre Deus.  Mais ainda, penso nas instituições que garantem representá-Lo. Me calo. O Deus por muitas delas defendido é sempre condicionado, por-Tanto, há sempre um preço a pagar.  E o amor nestes termos perde a pureza original, tem preço com QrCode no final. A dura verdade, a verdade mais difícil de digerir é que no fundo-no-fundo não dá para provar a existência de Deus, porque as provas concretas o reduzem a condições limitadas à nossa própria existência. Reduzir o divino é tirar de Deus sua onipotência, é transformar o Criador na própria criatura. Érica Alcântara

Velório

Entrou no velório ainda tonto, com os olhos cheios d'água, o mesmo terno preto cheirando a flores e o lenço sempre a mão, tapando a boca que cheirava a pinga. Todas as vezes que João bebia, acabava velando alguém, chorando a morte dos outros, chorando a partida alheia como se fosse a sua.  - Você é parente?  - Não, eu só vim dizer... Até logo.  - Você sempre fala com os mortos?  - Quem é você?  - Eurico Breve, seu criado.  - Desculpe, eu não faço criado.  - O senhor não entendeu, só quero lhe prestar pêsames, vejo que estás muito triste. Já sei, era o amor de sua vida.  - Que vida?  - Entendo, o senhor quer ficar sozinho. De todo modo, lamento sua perda, tenha fé que Deus conforte o coração de toda sua família.  - De que família o senhor fala? João que não amava ninguém olhou para o rosto pálido e duro deitado à sua frente e todas aquelas flores cheirando a capim, sorriu e saiu. Pensava no senhor Breve que tagarelava muito e no rosto sem nome, envolto de flores que de certo  murcha