Pular para o conteúdo principal

Te convido

Palavras ferem tanto quanto (ou mais) que flechas lançadas ao vento.

Já faz algum tempo que tenho vontade de escrever sobre relacionamentos, mas eu não queria (e ainda não quero) falar somente de romance. Afinal, se analisarmos bem, nossa vida é pautada por uma série de relacionamentos, alguns mais intensos que outros, mas ainda assim, são relacionamentos. Então se me perguntassem no que se baseiam todas as relações eu diria: em palavras.

Você pode passar anos ao lado de alguém, mas duas palavras podem mudar tudo. Como espelho quebrado que nunca mais reflete a mesma imagem, palavras são capazes de estilhaçar o reflexo dos outros, e de nós mesmos. E para continuar a conviver é necessário reconstruir tudo, refazer as bases, recalcular a massa e subir tijolo por tijolo uma nova experiência. Para mim, se não reconstruir tudo, absolutamente tudo, algum caco do passado sempre vai voltar a nos cortar a pele e expor antigas feridas. 

Então “te convido” a repensar, a olhar de novo os outros a sua volta, a verdade é que não há um trabalho, um lugar, um objeto, nem mesmo filhos, nada prende uma pessoa a outra. Estar junto é uma questão de escolha e as escolhas mudam, por que temos a liberdade para recomeçar sempre. 
A minha mãe, por exemplo, me deu imensa alegria e me fez ter mais orgulho de ser sua filha, quando depois que cada um dos filhos escolheu seu próprio caminho e saiu de casa, ela voltou a estudar com mais de 50 anos, e se tornou a melhor restauradora de obras de arte que conheço. Não foi fácil para ela, nunca é, mudar exige uma coragem muitas vezes oculta (ou adormecida) na rotina.

Aliás, para mim o maior problema da rotina é que nos atemos aos fatos (mais uma vez as palavras!!!) no dia a dia contamos para as pessoas que nos rodeiam os acontecimentos, enquanto o que aprendemos deles, as transformações que sentimos a partir dos fatos ficam perdidas no espaço, o mesmo espaço que torna vazio os diálogos, e tatuam na alma a solidão.

Sobre o amor, para mim só há uma forma de amar, é claro que tem uma série de pré-requisitos convencionais a qualquer relacionamento como: respeito, diálogo e confiança, mas o que faz o amor durar é a Liberdade; a certeza infinita de que não somos propriedade de alguém, nem somos dono do outro, e sempre haverá a possibilidade de recomeçar, se redescobrir. Cada momento pode ser o último, cada palavra pode ser a última.

Por isso nunca quis um amor que durasse para sempre como nos contos de fada, eu sempre desejei a emoção do último beijo, o calor do último abraço e as palavras mais bonitas que acordam e ecoam animadas em grandes despedidas.
Érica Alcântara

Texto publicado em janeiro de 2013 no Jornal Ouvidor, edição 906.




















Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A despedida de um irmão

A morte não é um espaço preciso, a se resumir em data e hora específicas, como os documentos resumem em “start and off”. Quando, na sala de cirurgia, o médico diz: “Acabou. Não se pode fazer mais nada”, a vida se remexe inteira em outro plano, reivindicando novos espaços de saber. A primeira lembrança marcante que tenho do Matheus já era um convite a novos saberes. Ele estagiava no jornal e eu, como tutora, era responsável por ajudá-lo a produzir reportagens que atendessem a critérios de imparcialidade, impessoalidade, clareza e outras coisinhas éticas das quais não abríamos mão. Lembro-me do dia em que Matheus foi escalado para fazer uma reportagem sobre um acidente em andamento. Na entrada de Santa Isabel, um motorista encontrava-se preso às ferragens. No local dos fatos, o jornal chegou antes da equipa de socorro, e Matheus recebeu a instrução: converse com o motorista até a ambulância chegar. Ele ficou na cabine, com o corpo abaixado, conversando com o homem ferido, que chorava mui

Até você vir

 Até você vir  O vento era tudo Que ia, que vinha  Até você vir O tempo passava Eu o sentia, lânguido Agora tudo é brisa O tempo desliza Suaves rompantes Coram-me a face Cartas ridículas Cartas eróticas Seu corpo pálido Minha pele morena Seu corpo nu Minha alma despida Érica Alcântara

Sobre a prova de Deus

Setembro de 2004, sentada na varanda de casa reflito sobre Deus.  Mais ainda, penso nas instituições que garantem representá-Lo. Me calo. O Deus por muitas delas defendido é sempre condicionado, por-Tanto, há sempre um preço a pagar.  E o amor nestes termos perde a pureza original, tem preço com QrCode no final. A dura verdade, a verdade mais difícil de digerir é que no fundo-no-fundo não dá para provar a existência de Deus, porque as provas concretas o reduzem a condições limitadas à nossa própria existência. Reduzir o divino é tirar de Deus sua onipotência, é transformar o Criador na própria criatura. Érica Alcântara