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Primeira Comunhão


Na década de 1980 duas irmãs entraram na igreja, terço cor de pérola, velas com adesivo de flor, roupas de linha que na mais nova pinicam o corpo.

O Pároco tinha sobrenome de Jardim, fez um discurso em primavera, falou da fé como transformação do mundo. Disse que após o batismo é na comunhão que a criança renova a fé, depois viria a crisma entre outros.

As velas acesas, as crianças em pé.

E o Padre continua: criança é esperança do mundo e a renovação da igreja.

Ainda estavam de pé, as velas acesas choravam lágrimas de cera, algumas com cheiro de mel.

A irmã mais velha está com sono, talvez cansada de tanto esperar o rito. Foram dois anos de curso, aos fins de semana ocupada com o catequismo. Sempre foi quieta, uma boa menina.

A irmã mais nova se coça, enquanto aprecia a flor branca que colocou na sapatilha. A flor é enorme, feita de tecido dobrado, cobre toda ponta dos dedos. Seu tempo de catequismo foi muito menor, metade, dizem que foi dispensada depois de um ano de questionamentos. Nunca foi menina de se chamar boazinha, quem muito procura os porquês, pode afastar algumas causas.

Mas o Jardim não pára, continua a falar deixando as crianças em pé. 

O sono acalenta as boas ovelhas e as velas pendem de suas mãos até os cabelos com fitas das meninas sentadas à frente. 

- Fogo, grita alguém da plateia. 

E o ritual acaba as pressas desejando alguns que na primeira comunhão as palavras se banhassem como no batismo.


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