Existem várias versões sobre o mito de Narciso, desculpem os
especialistas se me engano ao contar a versão de que mais gosto, dá-me apenas o
direito de utilizar desta história o desenrolar de uma teoria.
Narciso nasceu tão lindo, mas tão lindo, que seus pais no
afã de protegê-lo consultaram um oráculo - Tirésias. O velho sábio disse que o
menino viveria longos anos se nunca pudesse ver o reflexo de sua própria
imagem. Assim, os pais eliminaram tudo que pudesse refletir a imagem de
Narciso, em seu lar tudo passou a ser opaco, sem luz e de pedra.
Imagem: Divulgação |
O jovem cresceu, quanto mais crescia, mais beleza tinha. Até
mesmo as ninfas que se escondiam dos homens paravam para ver o rapaz passar. A
bela ninfa Eco se apaixonou perdidamente por Narciso.Rejeitada em seu amor mais
puro, à beira do lago, enrijeceu-se até tornar-se pedra.
Narciso passando pela floresta sentiu que algo o observava,
gritou alto: “Quem está ai?” E da beira do lago Eco ressoava: “Quem está ai?”.
Cada vez mais atraído pelo mistério, Narciso procurava: “Vem aqui, que eu quero
te ver”, e Eco ressoava: “Vem aqui, que eu quero te ver”.
Até que à beira do lago, Narciso vê sua imagem refletida e
diz: “Ai está você!”, inclina-se para um doce beijo e enquanto cai em águas
profundas, afogando-se em sua busca, o último som que se ouve na floresta é de
Eco: “Ai está você!”
Quantos Narcisos não estão para si mesmos olhando, neste
exato momento em que estamos nos comunicando? Com suas selfies de braços
curtos, ou com suportes fálicos de longa distância. Quantos Narcisos estão a
mostrar-se para o mundo, ou para si mesmos, endeusando suas próprias falas e
relacionando-se apenas consigo mesmo?
“Ai está você!” A maldição daqueles que tanto se expõem será
mesmo o infortúnio de padecer afogados sobre sua própria imagem?
A exposição envolve certo nível de comprometimento e é
sempre bom observar se, aquele que fala, deseja de fato o bem de um todo, ou um
minuto de glória de um ego vazio. Conheci muitos homens e mulheres que bufam
protestos apenas para auto afirmar suas personalidades como detentoras da
verdade. Mas a verdade não há. A verdade é que nem nossos reflexos no espelho
refletem tudo que somos por dentro.
Para mim, Narciso apaixonou-se perdidamente pelo outro
(mesmo que o outro fosse ele mesmo). Como nunca havia se visto, não tinha a
consciência de que a imagem no lago era de si mesmo e seu desejo foi o de roubar
um beijo daquele estranho no espelho d’água.
Ora, mas se o desejo contido no apaixonar-se de Narciso
fosse, através de sua própria imagem, ser capaz de ver além, ver o outro e
amá-lo livremente,então esta era de exposição de si mesmo talvez seja apenas um
caminho que encontramos de gritar para o outro “Vem aqui, que eu quero te ver”.
por Érica Alcântara
publicado no Jornal Ouvidor, ed. 1110, 03/02/2017
publicado no Jornal Ouvidor, ed. 1110, 03/02/2017
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