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De mim, como uma trilha





É tão fácil reclamar, perder-se na ideia de que a responsabilidade de tudo que nos acontece é sempre do outro.
É tão fácil dar ao outro a responsabilidade de nossos erros.
Difícil é encarar-se todos os dias como resultado constante de nossas escolhas, como produto dos caminhos que percorremos.
Ando mesmo querendo ser difícil, trazer para mim a responsabilidade de tudo que deixei passar por entre os dedos.
Ando mesmo com vontade de seguir devagar, abrir mão do futuro que nos preenche de uma expectativa lacerante. Internamente meu coração é absurdamente espontâneo e viver de improvisos nunca foi meu maior defeito.
A minha solidão que me preenche os vazios d’alma é repleta deste momento e como presente que me foi dado me basta e me alegra.
Creio que em um determinado momento de minha vida compreendi quão pesado é carregar as gavetas do passado repletas de memórias que não são verdadeiramente minhas.
Ai Caeiro, que fizeste de mim parte de teu rebanho.
Vou andar por esse mundo, certa de quem eu sou e de que o meu Deus habita tudo a minha volta e, por ser natural, como as pedras do caminho, os rios que são as artérias de nossas águas, não é fonte do juízo humano, não é cercado de qualquer moral e não é o Senhor de toda a ética.
O meu Deus é tão perfeito que não carece de nada, que não me torna as coisas mais fáceis ou mais difíceis. Somos livres e por não saber o que fazer disso, tendemos a citar regras e abominar todas as demais, reclamar hoje, reclamar amanhã, ruminar a frustração como se fosse algo tão real quanto à própria presença de Deus.
A minha natureza é bravia, tendo a ira com facilidade, há mais fogo em mim do que eu mesma gostaria e para controlar toda essa ação contida, todos os dias devoro minha própria identidade.
E temo o momento em que, assim como Pessoa, quando tentar retirar a máscara ela já esteja demais apegada ao meu rosto e entorpecida esqueça-me como vestir o dominó que não havia arrancado.
Por isso, no papel eu me transformo, e mais que reclamar eu me realizo. O meu mundo é palavra e poucas dessas atingirão os homens tão carentes de regras para conviver entre si, sempre juízes de sua própria miséria.
Eu vejo a dor dos homens, compartilho com eles tantas outras emoções e ei de libertar-me um dia, pelo ventre que me foi dado, terreno fértil de minhas alegrias, onde o que eu sou existe e é tão divino quanto Deus.

publicado no Jornal O Ouvidor - ed. 969 - 12/04/2014

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