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Educação



Formei-me professora de Filosofia. Até hoje lembro como minha mãe reagiu quando cheguei em casa e dei a famigerada notícia: “Passei no vestibular!! ”. Até então ela tinha esperança de ter uma filha advogada, ou engenheira, uma mulher que anda sempre de salto alto e pastinha de empresária nas mãos, mas eu que acabara de ler um livro sobre “O Poder do Mito”, encasquetei de fazer filosofia.
A universidade me transformou, me permitiu sentir a euforia e os conflitos próprios de quem vivencia a filosofia. Afinal, me exigiram os filósofos desconstruir todas as minhas crenças, matar todas as ideologias infantis e me deram uma espécie de massa amorfa para refazer a pessoa que eu realmente quero ser.   
Em 2006 participei da minha primeira atribuição de aulas, debaixo de um sol escaldante, por três dias eu, entre mais de uma centena de profissionais, aguardei no pátio de uma escola sentada ora no chão, ora nos bancos semi-quebrados de um auditório, o momento de escolher uma unidade de ensino. Até o final deste processo, eu estava cansada, na verdade, exausta e humilhada.
A primeira vez que entrei numa sala de aula como professora foi impactante, uma sala apertada, com ventilação precária, mantinha 40 estudantes a minha frente, todos suados, e cheios de uma espécie de ideologia comprada, o que um amigo meu chama de revolucionários da internet.
No final do meu primeiro ano de magistério, eu já havia me desconstruído e refeito mais vezes que nos meus quatro anos de universidade. E sou imensamente grata aos meus alunos por me ensinarem tanto quanto eu quis ensinar. Nós levamos artistas de rua para os corredores da escola tanto quanto o orgulho dos estudantes pela unidade de ensino.
E se me perguntassem por que afinal de contas eu deixei a sala de aula, devo destacar que não foi por causa dos estudantes, mas por causa do sistema. Desde a atribuição, as salas-prisões, à progressão continuada que me fez, por mais de uma vez, conhecer semi-analfabetos em turmas do ensino médio.
Na semana passada conversei com um Menino que me fez lembrar tudo de bom que se pode encontrar numa escola. A esperança de um mundo melhor, e é engraçado por que este é o tipo de esperança que não é cercada de euforia, não. É esperança paciente, daquelas que sabe que a educação transforma a longo prazo e necessita de técnica, afeto e coragem.
É claro que fiquei cercada de uma espécie de nostalgia. Admito que guardo comigo todas as lembranças e presentes de meus alunos, alguns decoram as paredes de minha casa, outros as paredes de minha memória.
A filosofia me levou para as salas de aula, me arrancou delas e me fez retornar para tornar público o reconhecimento pelo trabalho do Menino, entre tantos que realmente mudam e moldam o futuro de nosso país.

Quando minha mãe lamentou minha escolha profissional, não imaginou tudo o que a filosofia me daria, admito que nem eu sabia. 

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