Já no leito de partida, Dinda resistia à força da morte.
Depois de sete anos entre idas e vindas do hospital, muitos duvidaram que ela
não voltaria para casa. Neste meio tempo, a convivência pacífica que ela
prometeu ao neto se transformou em anos de convivência regados a proteção e
discussões fervorosas de uma família de sangue italiano, onde o amor transborda
em gritos com expressões que, vez em sempre, magoam ou marcam a alma de um
homem.
De todos que foram se despedir de Dinda, Homero foi o único
que se recusava a dar adeus. – Eu sabia que desta vez ela não ia voltar.
Muitos anos antes, Dinda era conhecida como revolucionária. Com
seu espírito rebelde e um temperamento tempestivo, para a pequena cidade do
interior paulista ela não era uma mulher que passava despercebida.
Numa época em que só os homens frequentavam os campos de
futebol, Dinda tinha até uniforme de torcedora, ao lado do campo esbravejava
aos jogadores: - Toca essa bola, dribla direito, vamos lá seu perna de pau,
chuta, chuta... goooolll. Só mesmo a fama de brava mantinha as bocas de
maldizer longe de sua sombra.
Num fim de semana qualquer Homero apareceu, filho das terras
de sol e mar surgiu como manhã de outono. Não se sabe quando ou como eles se
conheceram, mas dizem que amor não tem relógio, não carrega calendário e pouco
se importa com quem nos leva ao outro.
Quando Homero foi chamado para servir ao exército, deram-se
as mãos. - Me espera, eu te prometo escrever toda semana e volto para casar
contigo. Como Penélope em Ítaca ela esperou, tecendo pensamentos de como sua
vida seria, bordando um enxoval de algodão cru.
Pouco tempo depois da partida, Dinda se mudou e sua antiga
casa foi alugada e nela habitou um senhor distinto, taciturno, que pouco ou
quase nunca a via.
Longe de Homero o tempo se arrastava, o calendário virava
páginas de espera e solidão. Sem nenhuma notícia, nenhuma carta ou mensagem
Dinda se viu no esquecimento. Amargurando a distância e o silêncio nos tecidos
cheirando a guardado.
- Vou me casar com Agenor, o dono da pensão, ele também já
viveu uma grande desilusão, entende o que sinto, ou melhor, sentia. Ele sabe o
quanto amar pode causar tristeza e solidão. Juntos vamos remendar nossos
corações partidos, costurar uma outra história com os pés no chão. Certos de
que o afeto se edificaria com o tempo marcaram a data para o casamento.
Já com o vestido de noiva, prestes a ir para o altar, à
porta de Dinda surge Homero, envolto de histórias e já ciente do casório ele suplica:
- Não faça isso, eu te peço. Fica. Foge comigo. Casa comigo.
Não abandona o amor.
– Eu esperei, mas você nem uma carta mandou. Agora vem aqui
me tirar o que me sobrou? Devo arcar com meu compromisso.
- Vou ficar na pousada, sequer reservei um quarto, vou me
sentar no salão e esperar que você apareça, assim mesmo, vestida de branco,
pronta para partir. Mas se o sino da igreja soar, anunciando que você disse
sim, vou me embora de Santa Isabel.
BlimBlão! BlimBlão! BlimBlão! Tocou na Matriz.
Homero chorou, pegou sua mala e nunca mais voltou.
Quando Dinda já tinha seus filhos e constituído com Agenor
uma família, o Taciturno morreu. Em uma caixa, em meio aos seus pertences,
unidas por uma fita vermelha de seda, centenas de cartas de amor, todas de
Homero para Dinda, a última datada uma semana antes dela se casar, dizendo:
“Finalmente a espera acabou, prepara-te amor, estou subindo a serra para te
buscar”.
O tempo acelera, depois de uma gravidez complicada Dinda fez
promessas aos santos e a Nossa Senhora Aparecida que lhe agraciou dando força ao
primeiro neto que em homenagem ao amor partido recebeu o nome de Homero.
Mas não foi fácil para o pequeno Homero ser tão amado pela
avó. - Anos a fio ela me fez ir para Aparecida, vestido de anjo, com o cabelo
comprido suando o peso das asas que carreguei só para pagar as promessas que
ela fez.
- Nós gritávamos um com o outro, mas ninguém nos entendia
como nós mesmos. Ninguém me perseguia e me defendia com tamanha intensidade e ao
mesmo tempo como ela fazia.
Agenor neto bate a porta do quarto. – Homero, vai ver a
Dinda no hospital, ela já está inconsciente, mas você precisa ir.
Quando não havia mais ninguém no quarto Homero entrou.
- Eu abri a porta e ela estava lá, parecia menor naquela
cama de hospital, tão branca como a sua pele. A aparência de furacão virou um
sopro de vida e no quarto só os aparelhos rompiam o silêncio bipando o som
descompassado de seu coração. Me aproximei devagar, peguei sua mão, reencostei
meu rosto no seu e disse “Dinda pode descansar, nós vamos ficar bem, já sabemos
nos cuidar. Para além dessas paredes tem uma luz onde todos que amamos aguardam
você chegar”.
Uma lágrima solitária escorreu no rosto de Dinda e o
aparelho ressoou piiiiii.
Publicado no jornal O Ouvidor em Edicao_901_22-12-2012
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