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Histórias de Elo



Amanhã completo 35 anos. A maior parte das mulheres que conheço não gostam de divulgar a própria idade, mas qual o problema com os números? Não são eles que fazem de nós o que somos. Afinal, conheço mulheres com mais de cinquenta anos que agem como crianças birrentas sempre que lhes é negado algo, tanto quanto conheço meninas de sete anos que agem como se todo o mundo lhes pesasse os ombros e cuidam dos irmãos como se tivessem nascidos dela.

A verdade é que pouco importa o número. Minha mãe, durante muito tempo, aumentava a própria idade em pelo menos 10 anos, só para escutar a famosa frase: “Menina como você está conservada”.

Sou uma balzaquiana orgulhosa, não tanto pela personagem de Honoré, mas por que em meus momentos de lucidez sinto que este é o tempo do ser inteiro. Explico. Quando somos jovens uma agitação toma conta de nós, e é como se alma fosse grande demais para um corpo tão pequeno. Agora, é como se alma vestisse o corpo com precisão, e a agitação já não nos entorpece mais. Temos vitalidade, mas ela não é explosiva e fora de proporção, ela nos move sem nos chocar contra tudo a nossa volta. Depois, imagino, o corpo é que vai ficando grande demais, pesado para carregar a alma que ainda tem muito a oferecer.

Amanhã também é o Dia dos Pais. Conheci o meu aos 34 anos. Não que eu não soubesse quem ele era, eu sabia, mas não convivi. A verdade é que a primeira vez em minha vida que sentei para conversar com ele, eu já havia me tornado balzaquiana. É claro que ouvi conselhos de pessoas que amo dizendo: “Chore, grite, brigue se necessário, mas conte a ele tudo que você sofreu com a ausência”.

Na noite anterior da viagem eu não dormi, chorei. Mas quando cheguei ao aeroporto tudo que vi foi um senhor de idade, de cabelos grisalhos e um sorriso desconhecido. Fiquei três dias ao lado dele, nós cantamos, passeamos e eu ouvi histórias de amor, e a descrição de como ele foi um pai maravilhoso para as filhas que ele teve no segundo casamento. Vesti-me de jornalista e o entrevistei questionando como se chamavam seus pais (meus avós), seus irmãos (meus tios) e como ele conheceu minha mãe. Enquanto descobria minha própria história, eu sorria, enquanto meu peito se rasgava em muitos pedaços. Quanto tempo e afeto perdido, quanto amor deixado de lado. Quantas cicatrizes há em minh’alma por voltar para casa na infância com lembranças dos dias dos pais, que eu jamais entregaria.

Eu tinha a certeza que nenhum grito fará o tempo voltar, ou diminuirá as distâncias. Então, hoje, aos pais desejo que desfrutem do afeto que lhes é garantido pela prole, aos filhos que nutram todos os dias as suas raízes, e às balzaquianas que desfrutem por inteiro a harmonia de corpo e alma.

Se querem saber, eu não chorei, nem na hora de ir embora. Eu sorri, porque eu decidi que se aquela fosse a primeira e a última vez que nos víssemos, eu gostaria que ele se lembrasse do melhor que tenho em mim.



Editorial Publicado no Jornal O Ouvidor - edição 882 - de 11/08/2012

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